quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Para analistas, estímulo a carro elétrico terá efeito 'psicológico'



Valor 05/10



A intenção do governo em dar incentivos ao carro elétrico e privilegiar o modelo no novo regime automotivo é insuficiente para mudar a matriz motora do mercado nacional, de acordo com especialistas. Entretanto, caso aconteça a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), como noticiado ontem pelo Valor, a medida pode ter um "efeito psicológico" no setor e impulsionar o desenvolvimento da tecnologia. Gargalos como o alto preço dos veículos e a ausência de pontos de abastecimento, no entanto, travam a adoção do modelo no curto prazo.

Os carros elétricos e híbridos são taxados em 25% de IPI mais o Imposto de Importação, caso venham do exterior. Mesmo com a ausência ou redução da taxação, os preços ainda serão salgados ao consumidor: o I-Miev, da Mitsubishi, custa hoje cerca de R$ 200 mil no Brasil. O Palio elétrico, da Fiat, em fase de testes na usina de Itaipu, tem preço estipulado em R$ 140 mil, enquanto o Leaf, da Nissan, sai por R$ 190 mil.

Por isso, a introdução de motores menos poluentes requer visão estratégica e a longo prazo, de acordo com o presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Pietro Erber. "O incentivo fiscal é válido, mas a medida vale muito mais como efeito psicológico. É um aceno que o governo faz para que se incentive o desenvolvimento dessa tecnologia", afirmou.

A intenção é que com o fomento de pesquisa e instalação de fábricas no Brasil, os elétricos possam ter preços mais atrativos. Mas o esforço deve ir além. Apenas a desoneração fiscal não é suficiente. Linhas de crédito para facilitar o investimento nesse tipo de produção também devem fazer parte do plano do governo para incentivar a indústria, diz Fernando Sarti, professor e pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia da Unicamp. Para que o elétrico saia do papel, diz, as montadoras precisam contribuir. "Como contrapartida, precisa haver parcelas importantes dos programas de P&Ds das montadoras no país. E os asiáticos precisam montar as fábricas em solo nacional para elevar a competição", disse.

Em outros países, há programas de fomento aos "elétricos". Além de incentivos fiscais, Japão e França chegam a dar subsídio equivalente a US$ 5 mil. Nos EUA, os Estados fixam a quantia, que pode atingir US$ 12 mil. Na Califórnia, o Leaf, por exemplo, custa por volta de US$ 25 mil para o consumidor.

Não só os preços impedem a adoção dos elétricos. A falta de pontos para a recarga da bateria, que nos modelos atuais garante cerca de 150 km de autonomia por carga, também deve ser levada em conta, acrescenta Erber.

No Brasil, ônibus híbridos movidos a biodiesel e eletricidade estão sendo testados em São Paulo e Rio de Janeiro. A construção de uma fábrica de motos movidas a energia elétrica, como existe na China, também ajudaria a popularizar o motor elétrico em veículos de uso intensivo e ajudar a desenvolver a tecnologia, segundo especialistas.

Para o professor James Wright, coordenador do programa Pró-Futuro, da Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo (USP), o elétrico vai ficar com um custo-benefício mais atraente com o tempo. "O motor a etanol, quando surgiu, custava três vezes mais do que o movido a gasolina. Há uma expectativa de que, em cinco anos, a bateria dos elétricos tenha 80% de sua carga carregada em 20 minutos", afirmou.

Se o preço do produto espanta o consumidor, o custo de rodagem pode compensar depois. Segundo estimativas da ABVE, o preço do quilômetro rodado com energia elétrica, hoje, é um quarto de quando se usa gasolina ou etanol.

A perspectiva é favorável para os elétricos, mas o Brasil não pode olhar a questão tecnológica apenas pelo lado fiscal, diz Sarti. "Temos que pensar a médio e longo prazo e os passos para isso precisam ser dados agora."



Tecnologia atual muda pouco até a próxima década, dizem os fabricantes de autopeças



Por Stella Fontes De São Paulo
Medidas de estímulo à produção nacional de veículos híbridos e elétricos são bem-vistas pela indústria de autopeças instalada no país. Contudo, fabricantes de componentes automotivos com atuação global não enxergam a possibilidade de negócios significativos nesse segmento no curto e médio prazos - para a Bosch, até meados da próxima década, não deve haver grandes mudanças na matriz energética dos automóveis.

"Nós acreditamos que os veículos do futuro serão movidos a propulsão elétrica, porém a velocidade desse movimento depende de fatores técnicos, como a autonomia das baterias, bem como de políticas governamentais", afirmou o presidente da Bosch América Latina, Besaliel Botelho.

A expectativa da companhia, conforme Botelho, é a de que, até 2020, 95% da frota de veículos ainda seja movida a propulsão convencional (diesel, gasolina, GNV e biomassa, como o etanol). Mas a Bosch já investe em desenvolvimento de baterias e produção de motores elétricos, como parte de sua estratégia de longo prazo.

De acordo com o presidente da Delphi na América do Sul, Gábor Deák, na maior parte dos mercados em que estão presentes os carros elétricos há alguma forma de subsídio ou incentivo governamental ou ainda metas rígidas de emissões gás carbônico. "Sempre há alguma forma de benefício tributário ou exigência relativa a emissões ou a combinação dos dois", comentou o executivo.

Em sua avaliação, insistir na tese de que o país está adiantado em termos de responsabilidade ambiental em razão do uso de etanol combustível é um equívoco e pode levar a um retrocesso da indústria. "O Brasil pode perder o bonde da história se ficar omisso em relação ao carro elétrico", ressaltou Deák. "Não vemos perspectivas de grandes negócios, mas ainda assim é estratégico avançar nesse tema."

A Delphi já produz e fornece componentes automotivos que podem ser usados em carros elétricos nos Estados Unidos e na Europa. Assim como ela, a Visteon, outra grande sistemista com atuação global, também estaria apta a fornecer componentes para veículos elétricos ou híbridos produzidos no Brasil. "Acabamos de apresentar uma série de novas tecnologias que podem ser utilizadas em qualquer tipo de veículo", disse o diretor de operações no Brasil e do grupo de interiores da Visteon América do Sul, Alfeu Doria.


Recarga de baterias deveria ser feita à noite, sugere o presidente da EPE






Por Chico Santos Do Rio
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim, sugeriu que, quando o carro elétrico for uma realidade no Brasil, seja adotado um sistema de preços diferenciados para estimular que as baterias dos veículos sejam abastecidas à noite, quando o consumo de energia elétrica para outros fins cai drasticamente. "O interessante será usar a capacidade ociosa do sistema (para abastecer os carros elétricos)."

Tolmasquim acha que vai demorar para que o carro elétrico se torne capaz de fazer pressão sobre o sistema de geração de energia elétrica. "Acho que vai levar vários anos para ganhar escala, algo mais para o fim da década. Agora, é claro que tudo tem um começo", ressaltou.

Para Tolmasquim, o Brasil larga na frente do resto do mundo na questão de como assegurar energia limpa para abastecer os carros limpos. Ele ressalta que países como os Estados Unidos e Europa têm suas matrizes elétricas fortemente sustentadas por geração térmica de origem fóssil, principalmente carvão, combustível que, segundo ele, responde por 41% da geração elétrica do mundo.

"É questionável o benefício do carro elétrico nesses países", afirma, lembrando que nessa situação o carro elétrico estará deixando de queimar combustível fóssil, mas a energia que o abastece tem origem fóssil. "Nesses países acho que é preciso fazer um balanço do efeito líquido do carro elétrico do ponto de vista ambiental", afirma.

No caso brasileiro, Tolmasquim destaca que a base da geração elétrica vem de fonte hídrica, cujo potencial ainda não aproveitado é grande. O problema, admite, é que o aproveitamento desse potencial tem sido cada vez mais difícil, devido aos problemas ambientais dele advindos.

Mesmo assim, ele lembra que mais de 90% da energia elétrica brasileira vem de origem limpa, enquanto no mundo em geral o número é de apenas 18%. A disponibilidade farta de energia eólica, ainda em fase inicial de aproveitamento, é outro aspecto positivo destacado pelo presidente da EPE.

Para Tolmasquim, o Brasil deverá, ao menos em um primeiro momento, optar pelos carros híbridos, consumindo etanol e energia elétrica, ambos combustíveis limpos.

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