quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Negociação entre Brasil e México deve ser concluída hoje



Por Daniel Rittner  - Valor 29/02
De Brasília

Negociadores do Brasil e do México pretendem concluir hoje uma revisão do acordo bilateral para a indústria automotiva, na tentativa de evitar o rompimento do tratado. As reuniões entre ministros dos dois países se arrastaram até a noite de ontem, sem uma definição. Um sistema de cotas para as exportações do setor, à semelhança do que ainda existe no acordo entre Brasil e Argentina, ganhou força nas discussões. Pelo sistema, a isenção do imposto de importação (35% nos países do Mercosul) não vale exatamente para um número determinado de veículos, mas contempla todo o comércio automotivo dentro de uma margem de equilíbrio. Por exemplo, para cada veículo exportado por um país, o outro pode exportar 1,3 ou 1,6 sem pagar tarifa.

A determinação da presidente Dilma Rousseff aos ministros Antônio Patriota (Relações Exteriores) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento) foi de jogar duro com os mexicanos. O porta-voz do Itamaraty, Tovar Nunes, disse que as reuniões foram "produtivas" e tiveram "espírito produtivo". Ele não descartou ainda, porém, a hipótese de cancelamento do acordo. "O que existe é um interesse mútuo no equilíbrio do intercâmbio de veículos em geral."

As reuniões serão retomadas hoje, provavelmente só no fim da manhã, depois de consultas dos negociadores mexicanos ao setor privado e à cúpula do governo local. Além das cotas, foi discutida a possibilidade de estender o acordo automotivo para veículos maiores e incluir índices de conteúdo nacional mais rigorosos.



Medida afetaria 55% das vendas da Nissan

Pelo menos 17 modelos de carros vendidos no Brasil ficarão mais caros se o acordo automotivo com o México for suspenso. A maioria desses veículos, fabricados por sete montadoras, é considerada de luxo no Brasil – muitos custam mais de R$ 80 mil.

A empresa mais prejudicada seria a Nissan, que tem sua fábrica brasileira em São José dos Pinhais (Região Metropolitana de Curitiba). Ela importa do México os modelos March, Tiida, Sentra e Versa. Com 36,7 mil unidades vendidas, esses veículos representaram 55% das vendas da empresa no Brasil em 2011. Os outros 45% se referem às 30,4 mil unidades comercializadas das famílias Livina e Frontier, ambas fabricadas em São José.

A tendência é de que a fatia dos carros mexicanos cresça neste ano, já que o Versa e o March chegaram há pouco tempo ao mercado. No ano pssado, os importados ajudaram a Nissan a elevar suas vendas em 88% e a subir uma posição no ranking brasileiro dos carros mais vendidos, para o sétimo lugar, com uma fatia de 3,6% do mercado – a meta é chegar a 5% até 2014. Procurada para comentar a questão do acordo automotivo, a Nissan informou que não iria se manifestar, uma vez que o governo brasileiro não se pronunciou oficialmente sobre o assunto

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Montadora tenta quebrar resistência ao Euro 5



Por Eduardo Laguna - Valor 23/02
De São Paulo

Em meio a um mercado que começa a dar sinais de arrefecimento, os fabricantes de caminhões encaram o duplo desafio de fazer girar os elevados estoques construídos para este início de ano, ao mesmo tempo em que tentam desmistificar a nova linha de veículos - desenvolvida para atender à nova regra de emissão de poluentes, conhecida como Euro 5.

Os esforços do setor incluem o financiamento dos estoques de revendas, aliado a taxas de financiamento subsidiadas ao consumidor e uma pesada campanha de divulgação na mídia. Os caminhões da nova tecnologia Euro 5 - obrigatória a partir de janeiro - começaram a ser produzidos em escala comercial no fim do mês passado, após as férias coletivas. Agora, as primeiras unidades começam a chegar às lojas, mas as vendas são marginais até o momento.

Fora o aumento de preço - em torno de 8% a 10% em relação à linha anterior -, ainda há muitas dúvidas sobre o uso do novo caminhão, assim como existem receios sobre a capilaridade da rede de abastecimento do diesel de baixo teor de enxofre utilizado pelo veículo - apesar do esforço da Petrobras de expressar a garantia de suprimento em anúncios na mídia.

Como é comum na introdução de regras que exigem uma mudança nos hábitos do consumidor no cuidado com o produto, as montadoras tentam encontrar alternativas para quebrar as resistências. Vale, como no caso da Scania, bancar o fornecimento do agente redutor de óxidos de nitrogênio - o Arla 32 - nos primeiros meses de uso do novo caminhão.

"Estamos com um trabalho de informar o consumidor. Já treinamos a rede (de revendas) e investimos em propagandas educativas. Mas sempre existe uma restrição ao que é novo", comenta o supervisor de marketing da Ford Caminhões, Marcel Bueno Silva.

Alguns contratos importantes já foram fechados, com entregas programadas para os próximos meses. A operadora logística JSL - que prevê comprar cerca de 2,8 mil caminhões neste ano - informa que, até agora, encomendou 50 caminhões da Scania e 160 da Volkswagen. Os veículos devem chegar entre março e junho.

No total, a Scania diz que sua carteira de pedidos soma 1,2 mil unidades a serem entregues até o fim do mês que vem.

Junto com a dura tarefa de convencer transportadores de que o novo veículo não é um "bicho de sete cabeças", as montadoras se concentram neste momento em pulverizar os primeiros lotes da linha Euro 5 para a rede de distribuição.

"Estamos em um momento de apresentação da linha nas concessionárias. Começamos a produzir no mês passado e neste mês vamos preencher o canal de vendas para mostrar o produto ao cliente", diz Tania Silvestri, diretora de marketing da Mercedes-Benz, vice-líder de mercado. "Temos 100% das atividades focadas em Euro 5", acrescenta.

O consumidor, contudo, ainda dá preferência aos caminhões da linha antiga, que responde praticamente pela totalidade dos emplacamentos neste começo de ano. "Já ouvimos muitas intenções de compra, mas nada foi fechado até agora", conta Airton Vieira, diretor da Cofipe, concessionária da Iveco com duas revendas em São Paulo.

A resistência não surpreende a indústria. Nos últimos meses do ano passado, o setor trabalhou na formação de estoques da linha antiga - chamada de Euro 3 - para fazer frente à demanda durante o período de transição de mercado.

A estratégia incluiu o uso de linhas de crédito com taxas de juros subsidiadas por bancos de montadoras para o custeio do capital de giro no período em que um grande volume de caminhões ficará parado nos pátios das concessionárias.

Embora existisse a expectativa de que o mercado seguiria girando em torno do Euro 3 nos primeiros meses de 2012, a produção dessa linha não é mais permitida desde janeiro. Daí houve a necessidade de formar grandes estoques desses produtos.

Nas revendas de caminhões da Rodobens, uma das maiores concessionárias da Mercedes-Benz, os veículos da linha Euro 3 representam em torno de 90% a 95% dos estoques. Segundo Ademir Odorício, diretor geral da Rodobens Caminhões e Ônibus, são aproximadamente mil veículos, com giro estimado em um mês e meio. "Optamos por formar estoques nos últimos quatro meses", afirma o executivo.

O problema é que agora as montadoras precisam desovar um volume residual de caminhões parados nas fábricas. Ford e Iveco - duas fabricantes que admitem ainda ter alguns caminhões em estoque - dizem que vão despachar as unidades até o fim de março, como determina o programa de controle da poluição do ar.

No entanto, a tarefa se torna mais difícil quando os primeiros resultados do ano mostram que o mercado dá sinais de inflexão, após o recorde de vendas de 2011 (veja gráfico ao lado). Segundo dados da Fenabrave, a entidade que representa as concessionárias de veículos, os emplacamentos de caminhões caíram 6,45% primeiros quinze dias de fevereiro, em relação a igual período do ano passado.

Para estimular as vendas, a Ford está oferecendo taxa zero no financiamento em 18 meses das últimas unidades da linha Euro 3 do modelo Transit a empresas.

Em geral, as previsões do setor apontam para uma estagnação, ou mesmo queda, do consumo de caminhões neste ano, refletindo um arrefecimento natural do consumo após a forte antecipação de compras feitas por transportadoras para fugir de aumentos de preços.

Nas estimativas da MAN, líder no mercado brasileiro com a marca Volkswagen, o mercado deve recuar 15% em 2012, o que levou a matriz na Alemanha a projetar queda de receita este ano. Por sua vez, a direção da Scania trabalha com a perspectiva de estagnação na demanda por caminhões. A tendência é de um cenário mais difícil no primeiro semestre para todo o setor, com recuperação a partir da segunda metade do ano.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Mercedes avalia montar carro no país

Valor 09/02

Pela primeira vez desde que encerrou a produção do Classe A em Juiz de Fora (MG), em 2005, a direção da Mercedes-Benz fala em voltar a produzir automóveis no Brasil. Trata-se, por enquanto, de estudo, avisa Philipp Schiemer, no comando mundial de vendas e marketing da marca alemã. A decisão, diz o executivo, será tomada daqui a alguns meses.

A posição da Mercedes mudou em pouco tempo. Foi o próprio Schiemer que há cinco meses, durante entrevista no salão de Frankfurt, afastou qualquer possibilidade de a empresa voltar a produzir carros no Brasil, mesmo com a notícia de que a rival BMW se prepara para anunciar um investimento no país em breve.

O que fez a marca alemã mudar de ideia? "As coisas agora estão um pouco melhores", diz Schiemer. "Notamos no Brasil um crescimento de vendas sustentado", completa. Tratar do estudo sobre a viabilidade de voltar a ter uma fábrica de automóveis no país foi um dos motivos que o trouxeram ao Brasil na semana passada. "Entre outras coisas", disse o executivo antes de retornar para Stuttgart, sede da companhia.

Um sério obstáculo para os novos planos da montadora é a falta de regras para a cobrança de Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) nas novas fábricas.

Se estivesse já definido, o projeto da Mercedes entraria na fila onde já estão, além da BMW, as chinesas JAC Motors e Chery, a inglesa Land Rover e a coreana Ssangyong. Depois de inúmeros encontros com a equipe do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio, essas marcas esperam, agora, que a regra para o recolhimento do IPI em novas fábricas apareça junto com o regime automotivo que o governo federal estaria preparando para anunciar em março.

O aumento de trinta pontos percentuais no IPI de veículos que não atinjam o índice de nacionalização mínimo de 65%, em vigor desde dezembro, surpreendeu as empresas com planos de construir no país. Essas montadoras pedem uma regra especial de transição, com prazo médio de quatro anos para atingir o índice de conteúdo nacional exigido pelo governo.

Schiemer, também vice-presidente da Mercedes, não demonstra muita preocupação em relação a isso. Como sequer definiu o projeto, a Mercedes tem tempo até que o governo tome uma decisão. O executivo diz apenas que espera que uma regra específica nesse sentido seja definida.

Tampouco as demais empresas, incluindo as que já anunciaram a localização das fábricas, interromperam os projetos. Há poucos dias, o presidente da JAC Motors, Sérgio Habib, embarcou para a China junto com um dirigente da WTorre Engenharia para tratar da construção da fábrica em Camaçari (BA), prevista para operar em 2014.

Apesar da aparente calmaria, fontes do setor indicam que essas empresas preparam um plano para redirecionar as negociações com o Ministério da Fazenda por entender que há poucas chances de entendimento no Ministério do Desenvolvimento.

O acerto da pendência tributária poderá ser um fator a mais para a direção da Mercedes retomar um sonho frustrado no passado. Existem outras condições favoráveis. O chamado segmento premium atinge no Brasil volume anual em torno de 30 mil veículos. Isso representa menos de 1% do mercado total. Mas as vendas têm crescido de forma sustentável. Em 2011, a Mercedes registrou aumento de 28% nas vendas no país, num recorde de quase 10 mil automóveis.

Não se sabe qual será a reação do consumidor, reconhece, no entanto, Schiemer, diante do reajuste de 15% nos preços, resultado de repasse parcial do aumento do IPI, que vigorará nas lojas da marca nos próximos dias. Mesmo assim, uma elevação de preços no segmento em que a Mercedes atua têm impacto bem menor do que nos carros populares.

Não é apenas o crescente mercado brasileiro que está no foco da Mercedes. A Hungria acaba de receber uma fábrica da marca. Automóveis Mercedes também são produzidos na China, onde, segundo Schiemer, a empresa começa a estudar a possibilidade de ter mais uma unidade. China e Hungria já mudaram, portanto, o perfil industrial da empresa que antes se limitava à Alemanha e Estados Unidos.

O estudo da Mercedes para retomar a produção de carros no Brasil também ganha força com um novo conceito na marca. Uma nova geração de modelos, que está sendo apresentada em todo o mundo em forma de protótipo, traz carros luxuosos mais compactos, voltados para o gosto das novas gerações. Com a possibilidade de usar plataformas menores, a marca consegue, consequentemente, atingir consumidores de camadas abaixo da sua tradicional clientela. São as classes em ascensão, que nunca tiveram um Mercedes, embora sonhem com ele.

Os dirigentes da montadora alemã sabem, no entanto, que é preciso cautela para seguir nesse caminho. O fracasso da primeira tentativa da Mercedes de seduzir classes mais baixas no Brasil deixou sequelas. Inaugurada em 1999 e encerrada seis anos depois, a fábrica do Classe A em Juiz de Fora se transformou numa longa polêmica em torno de renegociação de benefícios fiscais recebidos de Minas Gerais e manutenção de empregos. A novela terminou no ano passado, com a ideia de usar a unidade para a produção de caminhões.

Schiemer, que já trabalhou na área de vendas no Brasil duas vezes - entre 1991 e 1992 e de 2004 a 2009 - disse em outra ocasião que o Classe A deu errado porque "era pequeno demais para ser o carro da família e caro demais para a opção de segundo automóvel da casa". Mas as coisas mudaram. Não apenas no Brasil, com a ascensão de classes. A nova realidade do mercado mundial também está obrigando empresas como a Mercedes a mudar a rota.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Contrastes entre carrões e modelos compacto e elétrico

Valor 06/02

O chefe mundial da área de desenho da Ford, J Mays, assustou-se ao ver a multidão que apareceu no primeiro dia do salão do automóvel em Nova Delhi, em janeiro. Por motivos de segurança, contou o executivo, a Ford, que dividia uma grande tenda com outras duas grandes, General Motors e Toyota, viu-se obrigada a fechar seu espaço na feira naquele dia.

O número de pessoas em um único dia, na abertura do salão na Índia, passou de 700 mil. Praticamente, equivale ao total de visitantes nos nove dias da exposição em Detroit, quase na mesma época, e é pouco menos do que se espera durante todos os dias de salão em São Paulo em outubro.

Os fabricantes de veículos vivem hoje um quadro de contrastes. Europa e Japão avançam nas discussões em torno de soluções para a mobilidade urbana, como a diminuição do tamanho do carro e seu formato, o uso de veículos elétricos e propostas inovadoras, como o compartilhamento de um único automóvel por diversas pessoas. Não se percebe, porém, o mesmo entusiasmo nos EUA.

Ao mesmo tempo em que tem de se adequar para atender o consumidor que nunca usou um automóvel, como ocorre com boa parte dos indianos, a indústria precisa continuar a agradar os americanos, que mantêm sua paixão pelos carrões, e, ainda, engajar-se nas discussões em torno das novas formas de mobilidade em regiões como a Europa. Enquadrar seu produto nesse arsenal de variações passou a ser o maior desafio de um setor que se projetou por meio da produção em escala.

Enquanto motoristas enfrentam o caos em grandes centros urbanos, o motorista de Detroit, cidade esvaziada pela crise nas montadoras, não sabe o que é trânsito. Mesmo em horários de pico, automóveis e pouquíssimos ônibus circulam com folga nas cinco pistas das principais avenidas. Alinham-se vagarosamente cada vez que o semáforo fecha e não chegam a ocupar sequer a metade do quarteirão antes de a luz verde voltar a acender.

Justamente nessa região, onde a linha de montagem nasceu, e que hoje tem cara de feriado todos os dias da semana, que a indústria automobilística americana continua mostrando suas tendências. São propostas que destoam da ideia de veículos minúsculos agregados ao conjunto carro-casa-bicicleta-trem-metro, amplamente discutido hoje na Europa e Japão.

Os americanos estão, sim, discutindo novas energias, falando sobre carro elétrico e investindo - e muito - no desenvolvimento de motores econômicos e menos poluentes. Mas esse movimento surge muito mais em resposta a uma pressão ambiental, que passou a fazer parte das políticas governamentais, do que como tendência. Em geral, o americano não parece propenso a abrir mão do transporte individual.

O motivo desse desinteresse começa pelo custo do combustível. O preço médio do galão de gasolina nos Estados Unidos hoje (US$ 3,38) está 22% mais baixo do que em julho de 2008, quando se dizia que o valor do combustível estimularia o americano a se interessar por carros compactos.

"Os consumidores não se importam", diz o diretor do Morgan Stanley, Adam Jonas, pesquisador da setor automobilístico. Os dados que Jonas aponta indicam pouca diferença no gasto com combustível ao longo dos anos. Em 2011, essa despesa equivaleu a 3,4% do Produto Interno Bruto dos EUA. Em 1970 chegou a 2,9%.

Para alguns, os carros criados hoje pelos americanos derrubam teses de que economia e desempenho não podem andar juntos. Reduzir o consumo de um tipo de veículo já usado acaba, muitas vezes, sendo a opção da indústria. Foi o que ocorreu com a Chrysler. O governo americano só aceitou conceder à Fiat cinco pontos percentuais adicionais de participação na empresa americana se o grupo italiano se comprometesse a lançar um novo modelo Dodge, mais econômico. E assim surgiu o novo Dodge Dart. "No passado tínhamos que pensar muito mais em potência do que em consumo; hoje temos que conseguir ambos", diz Reid Bigland, o principal executivo da marca Dodge.

Para J Mays, da Ford, "a cultura do automóvel é ainda muito relevante na América do Norte". O chefe da área de desenho da montadora americana acredita que o apelo da aparência mantem sua força. "Toda a vez que a indústria passou por crises financeiras o desenho sempre salvou o dia", diz. O executivo destaca, ainda, uma filosofia: "Você nunca se apaixona pela praticidade. Você se apaixona pelo que se mostra. E só depois que já está apaixonado é que alguém descobrirá a praticidade daquilo que o atraiu."

É provável que pensamentos como o do designer da Ford façam com que propostas mais práticas, defendidas por alguns, pareçam tão distantes da realidade americana. O presidente mundial da Renault e Nissan, Carlos Ghosn, parece uma espécie de "voz solitária" quando prega nos Estados Unidos conceitos que já fazem sucesso na Europa.

Para ele, a indústria precisa perseguir a ideia de carros que não poluam nada, como o elétrico, porque a demanda continuará a crescer, puxada pelo crescimento do poder de compra nas regiões emergentes. "O carro é a primeira coisa que o consumidor de um país em desenvolvimento quer comprar", afirmou Ghosn em recente palestra.

Segundo projeções dos analistas, o mercado de veículos na China, que chegou a experimentar crescimento anual de 33% em 2010, continuará se expandindo, entre 8% e 10% este ano, a despeito das previsões de arrefecimento da economia do país. "Se não formos na direção do carro com emissão zero, vamos precisar de dois planetas para manter o atual estilo de vida e de locomoção", disse Ghosn.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Montadoras reagem ao fim do acordo com México



Por Sergio Leo - Valor 03/02

O cancelamento do acordo de livre comércio de produtos automotivos do Brasil com o México, decidido (mas ainda não oficializado) pela presidente Dilma Rousseff, gerou forte reação de empresários do setor e do governo mexicano, e estimulou autoridades brasileiras a defender alternativas, como a simples revisão, segundo apurou ontem o Valor. Representantes de montadoras pretendem tratar do assunto hoje com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, com quem têm uma reunião convocada originalmente para discutir o novo regime de incentivo ao setor automotivo.

A decisão de denunciar (cancelar) o acordo com o México foi a maneira encontrada pelas autoridades brasileiras para forçar os mexicanos a rever radicalmente os termos do comércio bilateral. A medida faz parte das iniciativas para tentar enfrentar a deterioração prevista nos resultados do comércio exterior deste ano, e atende também a uma reivindicação de líderes sindicais com trânsito no Palácio do Planalto.

O acordo com o México foi classificado como "prejudicial ao país", pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Sérgio Nobre, que, no ano passado, teve encontros com Dilma e com os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, a quem pediu imediata revisão das regras de comércio com os mexicanos. "Pedimos uma revisão, mas se acabar esse acordo, soltaremos fogos", disse Nobre, ao Valor.

Uma autoridade ligada à discussão do assunto comentou ontem, que o governo aceitaria, após o cancelamento (previsto nos termos do acordo, desde que anunciado com 14 meses de antecedência) sentar novamente à mesa de negociação com os mexicanos para discutir outro acordo, em novos termos. Um ponto considerado inaceitável, no Planalto, é o item que isenta de imposto de importação os veículos com conteúdo mínimo local de 35%, bem abaixo das exigências feitas a carros fabricados no Mercosul.

Na falta de uma determinação oficial para a denúncia do acordo, os ministérios, ontem, evitaram manifestação formal sobre o assunto, e se limitavam a informar que o tema está em "estudos" no governo. De volta da viagem a Cuba e Haiti, envolvida com a substituição do ministro das Cidades, Mário Negromonte, Dilma, até o início da noite, não tinha discutido com os auxiliares o que fazer.

Um alto executivo de uma das maiores montadoras do país comentou ao Valor que a medida, se confirmada oficialmente, afetará as decisões de investimento das empresas "na quantidade e na qualidade". O temor de mudança nas regras poderia levar as companhias a reduzir o interesse no Brasil e dar prioridade aos também crescentes mercados asiáticos. As sucessivas medidas protecionistas no Brasil tornam cada vez mais difícil explicar a política econômica às matrizes, comentou o executivo. Em vez de restrições ao comércio, o país deveria atuar sobre fatores como os tributos, que têm feito o Brasil perder competitividade em relação a mercados como o México, argumentam os empresários.

As autoridades brasileiras duvidam que as montadoras percam interesse em um mercado dinâmico e crescente como o do Brasil. Não é o que dizem os executivos dessas empresas. Um deles chegou a comparar os futuros investimentos à "sacola do rapa", com produtos de menor qualidade, que camelôs carregam para áreas com risco de intervenção de fiscais.

Os dados do Ministério do Desenvolvimento sobre o comércio confirmam, porém, o argumento dos empresários, de que a interrupção do acordo com o México poderá ter efeito inverso ao que deseja o governo, ao afetar duramente o setor de autopeças, que teve aumento de 17% nas vendas no ano passado e chegou a exportar ao México mais de US$ 1 bilhão, cerca de US$ 670 milhões a mais do que o Brasil importou daquele país, nesses produtos. Um integrante de alto escalão da área econômica reagiu ao argumento com a previsão de que o futuro regime automotivo deverá aumentar o consumo de autopeças fabricadas no Brasil.

Somados às divergências comerciais com a Argentina, que têm provocado retenção de automóveis nas fábricas, com custos financeiros imprevistos às montadoras, a decisão de romper o acordo com os mexicanos joga um "véu de incerteza" sobre os acordos do Brasil, que vinham funcionando como atração de investimentos, argumenta o executivo - que, ontem, teve confirmada, por telefone, a intenção do governo de cancelar o livre-comércio automotivo com os mexicanos. Mesmo sabendo ser uma decisão da própria Dilma Rousseff, os empresários tentam marcar uma reunião com ministros, para evitar o rompimento e estimular uma revisão negociada do acordo.

Carro sofisticado pode sumir do mercado


Por Marli Olmos
De São Paulo

Os dirigentes da indústria automobilística passaram o dia, ontem, em reuniões, buscando uma maneira de salvar a estratégia que, nos últimos dez anos, moldou a estrutura industrial do setor na América Latina. Sem o acordo de livre comercio com o México, vários modelos de automóveis mais sofisticados, já conhecidos dos brasileiros, vão sumir do mercado e o setor terá de rever o desenho de operação industrial no continente.

Ao celebrar o acordo com o governo mexicano, em 2003, os maiores fabricantes já instalados no Brasil conseguiram consolidar um modelo de produção basicamente sustentado num tripé, no qual a produção dos modelos mais simples foi destinada ao Brasil, a de carros de médio porte foi para a Argentina e no México, um país já acostumado com o gosto sofisticado dos vizinhos americanos, ficaram as linhas de produtos mais caros.

Essa estratégia atendeu aos anseios de empresas como a Ford , por exemplo, que passou a dedicar as fábricas brasileiras a modelos menores, como o Fiesta e Ka, e a importar o Focus da Argentina e, mais tarde, o Fusion, do México. O mesmo caminho foi seguido pela Volkswagen e General Motors.

No ano passado, foram vendidos no Brasil 114.682 veículos produzidos no México. Trata-se de um volume pequeno, se comparado aos 3,5 milhões do mercado total. Mas alguns desses modelos têm forte atuação em segmentos específicos. O Tiida, da Nissan, por exemplo, ocupa o sétimo lugar entre os sedãs compactos e o Jetta, da Volks, é o quarto mais vendido na categoria de sedãs grandes. Muitos desses carros têm como fortes concorrentes, carros coreanos, nos quais incide o Imposto de Importação.

O brasileiro já se acostumou também a ver utilitários esportivos, como o Honda CR-V ou o Chevrolet Captiva, rodando nas ruas brasileiras - às vezes sem saber que vieram do México. Ao todo, são 15 modelos daquele país hoje vendidos no Brasil, sem contar o BMW X5 blindado, que, antes da elevação do IPI em 30 pontos percentuais para carros com conteúdo local abaixo de 65% chegava a custar R$ 467 mil.

Nenhuma das marcas quis dar entrevistas ontem. Os executivos preferiram deixar os pronunciamentos para a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea), que, ao fim de uma reunião, emitiu um comunicado à imprensa, reiterando o interesse no acordo bilateral.

Já o presidente mundial do grupo Fiat, Sergio Marchionne, disse ao "The Wall Street Journal" que não é favorável a eventual decisão do Brasil de tributar veículos importados do México. Ele lembrou que, apesar de uma decisão dessas não chegar a afetar a Fiat, líder do mercado de automóveis no Brasil, "barreiras como essa não ajudam".

"No entanto, o que eu vi acontecer no Brasil em relação às importações, de onde elas vinham e seus preços, eu não chamaria de as transações 'mais honestas' que já vi", disse Marchionne, referindo-se à concorrência dos veículos asiáticos.

No caso da Fiat, a estratégia de mercados nas Américas é ainda mais complexa. Com o objetivo de conseguir autorização do governo americano para elevar a sua participação na Chrysler, a montadora italiana aceitou produzir o motor do seu modelo compacto 500 nos EUA. O motor segue para o México, onde o modelo é produzido e exportado para EUA, Brasil e Ásia.

A balança entre os dois países, motivo pelo qual o governo brasileiro decidiu rever o acordo de livre comércio, foi a mesma justificativa apontada pelo governo mexicano para querer o mesmo em 2006. Naquele ano, o saldo era positivo para o Brasil, que desfrutava da vantagem de encontrar naquele mercado demanda suficiente para compensar a ociosidade nas fábricas brasileiras. Mas a valorização cambial reverteu o quadro.

Em cinco anos, a indústria mexicana quintuplicou as s vendas no mercado brasileiro. Mas os maiores compradores das montadoras instaladas no México - que são, todas, fábricas das mesmas multinacionais que atuam no Brasil - ainda são os EUA. Mais de 40% da produção mexicana segue para o país vizinho. Em 2011, a indústria automobilística mexicana bateu o recorde de produção de 2,557 milhões de veículos, dos quais 2,143 milhões foram exportados.



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Brasil vai romper acordo automotivo com o México



Por Sergio Leo - Valor 02/02
De Brasília

O governo decidiu romper o acordo automotivo mantido com o México, por ordem da presidente Dilma Rousseff, que está incomodada com o déficit crescente no comércio de automóveis entre os dois países. A decisão, mais uma de uma série de medidas protecionistas tomadas sem consulta prévia ao Itamaraty, segundo admitem seus autores, deve ser oficializada nos próximos dias, com a volta ao Brasil da presidente e dos ministros do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, e das Relações Exteriores, Antônio Patriota.

O acordo automotivo, firmado em 2002, prevê a possibilidade de "denúncia" (anulação), desde que haja comunicação com 14 meses de antecedência. Esse prazo deve ser respeitado, o que significa que só em 2013 os automóveis, partes e peças comprados naquele país passarão a pagar tarifa de importação.

Desde 2009, o que era um saldo positivo para o Brasil no comércio de automóveis entre os dois países tornou-se negativo. No ano passado, com a vantagem de custos pendendo para os mexicanos e o anúncio de possíveis restrições às importações no Brasil, montadoras estabelecidas no país começaram a mudar de fornecedor. Passaram a trazer do México carros antes importados de outros países, como a Fiat, que começou a importar da filial mexicana veículos antes comprados da Polônia.

As importações de automóveis feitos no México aumentaram quase 40% no ano passado, para mais de US$ 2 bilhões, o que, descontadas as exportações àquele país, de quase US$ 372 milhões, resultaram em déficit pouco inferior a US$ 1,7 bilhão. Foi um salto de 162% em relação ao déficit de US$ 642 milhões de 2010. Como reflexo da perda de competitividade dos veículos brasileiros em relação aos mexicanos, as exportações brasileiras para o país caíram quase 40%, de mais de US$ 600 milhões em 2010 para menos de US$ 400 milhões no ano passado.

O tema fez parte da agenda do ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, com autoridades mexicanas, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos. Os mexicanos, irritados, já comunicaram à equipe econômica que até aceitam uma pequena revisão nos termos do acordo, mas a decisão de simplesmente cancelá-lo está tomada. Integrantes da equipe econômica argumentam que o acordo favorece o México em detrimento dos sócios no Mercosul: enquanto automóveis vindos de fábricas mexicanas têm de ter 35% de conteúdo local, os do Mercosul precisam ter 45%.

Fim do acordo afetaria as montadoras tradicionais e também as novas


Por Eduardo Laguna
De São Paulo


Um tradicional parceiro da indústria automobilística nacional, o México chegou a ser ameaçado pela proliferação de carros chineses no Brasil, mas o anúncio de um regime automotivo que bloqueou a entrada de carros asiáticos deu novo fôlego aos mexicanos. Dados da Fenabrave - entidade que representa as concessionárias - mostram que nas importações realizadas no ano passado, o México, cuja participação no total foi de 13,8%, só fica atrás da Argentina (44%) e da Coreia do Sul (19,2%).

Diante de um cenário no qual as importações vêm garantindo a renovação de recorde nas vendas de veículos no Brasil, o fim do acordo comercial atingiria não apenas as grandes montadoras instaladas no país - que usam suas operações mexicanas para complementar o portfólio de produtos no Brasil -, mas também marcas em franco crescimento no país. É o caso da Nissan, que conseguiu dobrar para 2% a sua participação no mercado brasileiro graças ao sucesso de modelos vindos do México, caso do March, Versa, Sentra e Tiida.

Lançado em setembro, o compacto March chegou na lista dos 20 carros mais vendidos no Brasil e será produzido na fábrica que a montadora japonesa planeja erguer em Resende, no Rio.

Pela forte integração entre os mercados, o especialista em indústria automobilística Francisco Trivellato vê como improvável a ruptura do acordo comercial. "Os volumes são tão altos que provavelmente as duas partes chegarão a bom termo. Não consigo ver isso [o fim do acordo] ser concretizado."

Entre as maiores marcas com fábricas no Brasil, responsáveis por 70% das vendas de carros no país, a General Motors traz do México o modelo Captiva e a Volkswagen, o Jetta. A Fiat importa os modelos Fiat 500 e Freemont, enquanto a Ford traz o New Fiesta e o Fusion.