terça-feira, 17 de abril de 2012

Grandalhões e gastões em busca de espaço



Por Marli Olmos - Valor 17/04
De São Paulo.

São 7h15 de uma terça-feira. A rua à entrada da escola na região dos Jardins, em São Paulo, está abarrotada de carros. Espalhados pelo quarteirão, cinco fiscais da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) põem ordem no trânsito como se estivessem no entorno do estádio de futebol em dia de final de campeonato.

Abre-se a porta de um veículo branco, imponente. Uma garotinha salta para a calçada e faz força para tentar fechar a porta, pesada demais para ela. A mulher ao volante desce para tirar a mochila cor de rosa do porta-malas. Depois, dá um pulo para fechar a enorme porta traseira.

Com a mochila nas costas, a garota com cara de sono afasta-se lentamente e olha para trás. A motorista acena para ela e o veículo mantém os faróis piscando.

Metade dos carros estacionados em apenas um dos lados da rua da escola é do tipo grandalhão. Cada um ocupa mais de quatro metros no comprimento, quase dois de largura e mais de um metro e meio de altura.

Às 17h30, horário de saída da turma da tarde, na mesma escola, um adolescente salta para o interior do carrão com jeito invocado. Ajeita-se no banco traseiro e olha pela janela, por cima dos outros carros. O jovem está a bordo do último lançamento da inglesa Land Rover. Uma versão feita para circular onde automóveis convencionais não ousam ir.

O menino está pronto para enfrentar terrenos com pedras, lama, tempestade de areia, declives, neve e até atravessar um curso de água. Mas é pouco provável que o adolescente que acaba de sair da aula tenha a intenção de ir para alguma aventura naquele momento.

Famosos pela sigla em inglês - SUVs -, os utilitários esportivos, antiga paixão americana, continuam a proliferar pelas cidades brasileiras, a despeito do que pregam causas ambientais ou campanhas pela simplificação da mobilidade em centros urbanos.

Nos últimos três anos, o volume de SUVs (pequenos, médios e grandes) vendidos no Brasil aumentou 74%. No mesmo período, o mercado total cresceu 28,8%. Como há sempre muita polêmica em torno do que realmente é um SUV, vale a pena comparar os números isolados dos grandalhões, aqueles que, de fato já nasceram SUV. No caso, os volumes dos grandes em 2011 somaram 91,8 mil unidades, um avanço de 18,5% em relação a 2010, ano em que a soma das vendas de carros e comerciais leves alcançou modesto avanço de 2,9%.

A venda de SUVS (de todos os tamanhos) no Brasil em 2011 alcançou 255,6 mil unidades, ultrapassando os sedãs médios (com 200 mil), sedãs grandes, modelos hatch médios e ficou bem à frente das chamadas station wagon.

O Brasil não está sozinho. Em 2011, os chineses compraram 2,1 milhões de SUVs, o que representou aumento de 25,3% em relação ao ano anterior. Somente o CRV da Honda, campeão do segmento no mercado chinês, foi para a garagem de 160 mil consumidores.

Os americanos ainda mantêm a liderança no consumo desse tipo de veículo, com 4,1 milhões de unidades em 2011. A diferença, revelada em dados de vendas recentes, é que os americanos começam a se voltar para versões de SUVs menores. Atendendo pressão governamental por veículos que consomem menos combustível, a indústria tem concentrado lançamentos em versões mais compactas. Nos Estados Unidos, no primeiro trimestre deste ano, o segmento de SUVs pequenos apresentou crescimento de 26,3% enquanto que as versões grandes do mesmo tipo de veículo recuaram 7,8%.

Se você é o tipo de pessoa que detesta ser cortado por um SUV no trânsito, não suporta ver toda aquela imponência dos faróis e grades dianteiras pelo espelho retrovisor ou, ainda, sente-se humilhado com a presença deles quando entrega seu sedã ao manobrista do restaurante, saiba que não é o único a pensar assim. Há alguns anos surgiram, nos EUA movimentos com nomes como "I hate SUVs" (eu odeio SUVs).

À esteira dessas manifestações apareceram artigos e livros, lançando teses baseadas em dados colhidos em acidentes de trânsito envolvendo SUVs. Mas, logo depois surgiram também reações dos simpatizantes desse tipo de veículo, muitos dos quais, moradores de cidades americanas, onde veículos que servem para carregar pessoas ou carga e enfrentar terrenos difíceis faz parte de uma cultura.

Na tentativa de salvar a imagem dos antigos beberrões de combustível, as montadoras têm se esmerado no desenvolvimento de projetos de SUVs híbridos, que, assim como os carros convencionais, também podem mover-se com motor elétrico.

Esse "brinquedo de gente grande", como a Honda chama o seu no site de divulgação, pode incomodar muita gente. Mas transformou-se, por outro lado, em sonho de consumo de muitos porque a cada dia surgem versões mais confortáveis, com mais recursos de comunicação e entretenimento e, ainda, com desenhos charmosos, longe dos primeiros do gênero, derivados de veículos do exército americano.

Ao retornar de uma temporada de trabalho na Europa, Jorge Mussi, diretor da Volvo Cars, não entendia por que o CX-60, um SUV que passou a custar R$ 234,9 mil depois da elevação do IPI, é o veículo mais vendido da marca no Brasil. "Mas logo nas primeiras chuvas de verão percebi a dificuldade para dirigir um automóvel comum nos alagamentos", diz. O executivo está certo de que em torno de 90% dos SUVs vendidos pela Volvo nunca enfrentaram estradas de terra. "São veículos robustos que hoje oferecem mimos e conforto de um sedã", afirma Reinaldo Muratori, diretor da Mitsubishi, empresa forte nesse segmento.

Enchentes podem ser uma boa justificativa para ter um carro assim. Mas também comenta-se muito no mercado sobre a atração que veículos robustos exercem sobre as mulheres. A tese mais corrente é que a mulher motorista se sentiria mais segura num veículo alto e robusto não só para proteger-se contra criminosos como também na briga por espaço no trânsito.

O presidente da Chery, Luis Curi, tem um exemplo em casa. A esposa prefere dirigir carros altos. Não precisa ser carrão. Mas tem que ter altura. "O trânsito acabou se transformando num campo de batalhas", reconhece Curi.

Há hoje no Brasil mais de 50 modelos diferentes de SUVs. Pelo menos 30 são versões grandes, a maioria importada do Japão, Coreia e Europa, como o Hyundai Tucson, Kia Sorrento, ou o Chevrolet Captiva, que vem do México. As empresas têm tentado driblar o aumento do IPI para importados, absorvendo parte do custo ou até apostando que, para determinados clientes, o reajuste não será motivo para abrir mão dessa adrenalina sobre rodas.

Por enquanto, eles se concentram no asfalto. Mas no futuro é possível que as famílias encontrem tempo para passeios "off road". Os garotos que vão para a escola em SUV iam gostar da aventura.

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