sexta-feira, 21 de junho de 2013

Baixa qualidade do transporte público abre espaço para carros

 

Por Eduardo Laguna | De São Paulo - Valor 21/06
Foco de manifestações nas duas últimas semanas, a insatisfação com o transporte público também é combustível para o uso cada vez mais intensivo de veículos motorizados individuais nas grandes cidades, alimentando sucessivos recordes registrados pela indústria automobilística.
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, palcos dos maiores e mais tensos protestos contra o aumento das tarifas de ônibus, não à toa, são também as cidades com as frotas de carros mais numerosas do país, que não param de crescer com os estímulos do governo ao consumo.


Em oito anos, as vendas de carros na cidade de São Paulo, onde está o maior mercado do país, acumularam alta de 76%, enquanto no Rio o consumo dobrou, e em Belo Horizonte, assim como em Brasília, triplicou. Paralelamente, o uso do sistema de ônibus urbanos, responsável por 90% do transporte coletivo no país, vem mostrando trajetória declinante desde 1996, marcando, desde então, uma queda de demanda próxima a 30%, mostra levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) em nove capitais brasileiras.
Os números, segundo especialistas em mobilidade urbana, indicam um deslocamento da demanda para o transporte individual privado, com a proliferação de automóveis e motocicletas pelas ruas das grandes cidades.
Desde 2007, a indústria vem, ano a ano, renovando recorde nas vendas de carros, o que levou o Brasil a sair do nono para o quarto maior mercado automotivo do mundo. Essa evolução veio no embalo da expansão na renda da população, mas também foi sustentada pelo apoio governamental pesado à demanda de veículos individuais - seja com a desoneração na compra de carros, seja com medidas para a liberação do crédito ao consumo.
Com frequência, o governo passou a adotar nos últimos quatro anos descontos no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para evitar que o setor fosse contaminado, primeiro, pela crise financeira internacional de 2008 e, depois, pelas restrições de crédito de bancos privados. Nesse período, a frota de automóveis na cidade de São Paulo cresceu 13,4% e superou 5,3 milhões de carros. No Rio, a alta foi de 22,4%. Em Belo Horizonte e Brasília, o número de carros teve um crescimento da ordem de 33%, passando de 1 milhão de unidades em cada uma das cidades.
Já no Nordeste, maior mercado de veículos duas rodas do país, houve uma disparada nas compras de motos. Em Salvador, por exemplo, a frota de motocicletas cresceu 72,5% desde 2008, para mais de 100 mil unidades. Em Fortaleza, o número de motos já passa de 214 mil unidades, 93,6% a mais do que quatro anos atrás.
Os resultados mais nocivos da decisão de privilegiar incentivos a meios de transporte particulares nas políticas de mobilidade urbana são conhecidos: os congestionamentos, a poluição e os acidentes de trânsito. Porém, a migração para os veículos particulares também tem como pano de fundo a baixa qualidade dos serviços públicos percebida pela população, junto com o maior acesso aos automóveis zero quilômetro, em contraposição a uma escalada de custos do transporte público.
Segundo Carlos Henrique Carvalho, pesquisador que acompanha o tema no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as tarifas dos ônibus urbanos subiram 111% nos últimos dez anos, enquanto o preço do carro novo ficou apenas 4% mais caro em igual período - bem abaixo da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mostrou alta de 77%. "É como baratear o transporte privado e tornar mais caro o público", diz o especialista.
Marcos Bicalho, diretor da NTU, que representa as empresas de transportes urbanos, justifica a alta acima da inflação das tarifas ao aumento no preço do diesel - cujo peso nos custos do setor subiu de 12% para 20% em dez anos -, além da menor "velocidade comercial" dos ônibus, dado o compartilhamento de espaços com os carros. Isso faz com que as empresas precisem administrar frotas maiores para transportar um contingente menor de usuários, diz Bicalho.


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