sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Montadoras reagem ao fim do acordo com México



Por Sergio Leo - Valor 03/02

O cancelamento do acordo de livre comércio de produtos automotivos do Brasil com o México, decidido (mas ainda não oficializado) pela presidente Dilma Rousseff, gerou forte reação de empresários do setor e do governo mexicano, e estimulou autoridades brasileiras a defender alternativas, como a simples revisão, segundo apurou ontem o Valor. Representantes de montadoras pretendem tratar do assunto hoje com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, com quem têm uma reunião convocada originalmente para discutir o novo regime de incentivo ao setor automotivo.

A decisão de denunciar (cancelar) o acordo com o México foi a maneira encontrada pelas autoridades brasileiras para forçar os mexicanos a rever radicalmente os termos do comércio bilateral. A medida faz parte das iniciativas para tentar enfrentar a deterioração prevista nos resultados do comércio exterior deste ano, e atende também a uma reivindicação de líderes sindicais com trânsito no Palácio do Planalto.

O acordo com o México foi classificado como "prejudicial ao país", pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Sérgio Nobre, que, no ano passado, teve encontros com Dilma e com os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, a quem pediu imediata revisão das regras de comércio com os mexicanos. "Pedimos uma revisão, mas se acabar esse acordo, soltaremos fogos", disse Nobre, ao Valor.

Uma autoridade ligada à discussão do assunto comentou ontem, que o governo aceitaria, após o cancelamento (previsto nos termos do acordo, desde que anunciado com 14 meses de antecedência) sentar novamente à mesa de negociação com os mexicanos para discutir outro acordo, em novos termos. Um ponto considerado inaceitável, no Planalto, é o item que isenta de imposto de importação os veículos com conteúdo mínimo local de 35%, bem abaixo das exigências feitas a carros fabricados no Mercosul.

Na falta de uma determinação oficial para a denúncia do acordo, os ministérios, ontem, evitaram manifestação formal sobre o assunto, e se limitavam a informar que o tema está em "estudos" no governo. De volta da viagem a Cuba e Haiti, envolvida com a substituição do ministro das Cidades, Mário Negromonte, Dilma, até o início da noite, não tinha discutido com os auxiliares o que fazer.

Um alto executivo de uma das maiores montadoras do país comentou ao Valor que a medida, se confirmada oficialmente, afetará as decisões de investimento das empresas "na quantidade e na qualidade". O temor de mudança nas regras poderia levar as companhias a reduzir o interesse no Brasil e dar prioridade aos também crescentes mercados asiáticos. As sucessivas medidas protecionistas no Brasil tornam cada vez mais difícil explicar a política econômica às matrizes, comentou o executivo. Em vez de restrições ao comércio, o país deveria atuar sobre fatores como os tributos, que têm feito o Brasil perder competitividade em relação a mercados como o México, argumentam os empresários.

As autoridades brasileiras duvidam que as montadoras percam interesse em um mercado dinâmico e crescente como o do Brasil. Não é o que dizem os executivos dessas empresas. Um deles chegou a comparar os futuros investimentos à "sacola do rapa", com produtos de menor qualidade, que camelôs carregam para áreas com risco de intervenção de fiscais.

Os dados do Ministério do Desenvolvimento sobre o comércio confirmam, porém, o argumento dos empresários, de que a interrupção do acordo com o México poderá ter efeito inverso ao que deseja o governo, ao afetar duramente o setor de autopeças, que teve aumento de 17% nas vendas no ano passado e chegou a exportar ao México mais de US$ 1 bilhão, cerca de US$ 670 milhões a mais do que o Brasil importou daquele país, nesses produtos. Um integrante de alto escalão da área econômica reagiu ao argumento com a previsão de que o futuro regime automotivo deverá aumentar o consumo de autopeças fabricadas no Brasil.

Somados às divergências comerciais com a Argentina, que têm provocado retenção de automóveis nas fábricas, com custos financeiros imprevistos às montadoras, a decisão de romper o acordo com os mexicanos joga um "véu de incerteza" sobre os acordos do Brasil, que vinham funcionando como atração de investimentos, argumenta o executivo - que, ontem, teve confirmada, por telefone, a intenção do governo de cancelar o livre-comércio automotivo com os mexicanos. Mesmo sabendo ser uma decisão da própria Dilma Rousseff, os empresários tentam marcar uma reunião com ministros, para evitar o rompimento e estimular uma revisão negociada do acordo.

Carro sofisticado pode sumir do mercado


Por Marli Olmos
De São Paulo

Os dirigentes da indústria automobilística passaram o dia, ontem, em reuniões, buscando uma maneira de salvar a estratégia que, nos últimos dez anos, moldou a estrutura industrial do setor na América Latina. Sem o acordo de livre comercio com o México, vários modelos de automóveis mais sofisticados, já conhecidos dos brasileiros, vão sumir do mercado e o setor terá de rever o desenho de operação industrial no continente.

Ao celebrar o acordo com o governo mexicano, em 2003, os maiores fabricantes já instalados no Brasil conseguiram consolidar um modelo de produção basicamente sustentado num tripé, no qual a produção dos modelos mais simples foi destinada ao Brasil, a de carros de médio porte foi para a Argentina e no México, um país já acostumado com o gosto sofisticado dos vizinhos americanos, ficaram as linhas de produtos mais caros.

Essa estratégia atendeu aos anseios de empresas como a Ford , por exemplo, que passou a dedicar as fábricas brasileiras a modelos menores, como o Fiesta e Ka, e a importar o Focus da Argentina e, mais tarde, o Fusion, do México. O mesmo caminho foi seguido pela Volkswagen e General Motors.

No ano passado, foram vendidos no Brasil 114.682 veículos produzidos no México. Trata-se de um volume pequeno, se comparado aos 3,5 milhões do mercado total. Mas alguns desses modelos têm forte atuação em segmentos específicos. O Tiida, da Nissan, por exemplo, ocupa o sétimo lugar entre os sedãs compactos e o Jetta, da Volks, é o quarto mais vendido na categoria de sedãs grandes. Muitos desses carros têm como fortes concorrentes, carros coreanos, nos quais incide o Imposto de Importação.

O brasileiro já se acostumou também a ver utilitários esportivos, como o Honda CR-V ou o Chevrolet Captiva, rodando nas ruas brasileiras - às vezes sem saber que vieram do México. Ao todo, são 15 modelos daquele país hoje vendidos no Brasil, sem contar o BMW X5 blindado, que, antes da elevação do IPI em 30 pontos percentuais para carros com conteúdo local abaixo de 65% chegava a custar R$ 467 mil.

Nenhuma das marcas quis dar entrevistas ontem. Os executivos preferiram deixar os pronunciamentos para a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea), que, ao fim de uma reunião, emitiu um comunicado à imprensa, reiterando o interesse no acordo bilateral.

Já o presidente mundial do grupo Fiat, Sergio Marchionne, disse ao "The Wall Street Journal" que não é favorável a eventual decisão do Brasil de tributar veículos importados do México. Ele lembrou que, apesar de uma decisão dessas não chegar a afetar a Fiat, líder do mercado de automóveis no Brasil, "barreiras como essa não ajudam".

"No entanto, o que eu vi acontecer no Brasil em relação às importações, de onde elas vinham e seus preços, eu não chamaria de as transações 'mais honestas' que já vi", disse Marchionne, referindo-se à concorrência dos veículos asiáticos.

No caso da Fiat, a estratégia de mercados nas Américas é ainda mais complexa. Com o objetivo de conseguir autorização do governo americano para elevar a sua participação na Chrysler, a montadora italiana aceitou produzir o motor do seu modelo compacto 500 nos EUA. O motor segue para o México, onde o modelo é produzido e exportado para EUA, Brasil e Ásia.

A balança entre os dois países, motivo pelo qual o governo brasileiro decidiu rever o acordo de livre comércio, foi a mesma justificativa apontada pelo governo mexicano para querer o mesmo em 2006. Naquele ano, o saldo era positivo para o Brasil, que desfrutava da vantagem de encontrar naquele mercado demanda suficiente para compensar a ociosidade nas fábricas brasileiras. Mas a valorização cambial reverteu o quadro.

Em cinco anos, a indústria mexicana quintuplicou as s vendas no mercado brasileiro. Mas os maiores compradores das montadoras instaladas no México - que são, todas, fábricas das mesmas multinacionais que atuam no Brasil - ainda são os EUA. Mais de 40% da produção mexicana segue para o país vizinho. Em 2011, a indústria automobilística mexicana bateu o recorde de produção de 2,557 milhões de veículos, dos quais 2,143 milhões foram exportados.



Nenhum comentário:

Postar um comentário