segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Contrastes entre carrões e modelos compacto e elétrico

Valor 06/02

O chefe mundial da área de desenho da Ford, J Mays, assustou-se ao ver a multidão que apareceu no primeiro dia do salão do automóvel em Nova Delhi, em janeiro. Por motivos de segurança, contou o executivo, a Ford, que dividia uma grande tenda com outras duas grandes, General Motors e Toyota, viu-se obrigada a fechar seu espaço na feira naquele dia.

O número de pessoas em um único dia, na abertura do salão na Índia, passou de 700 mil. Praticamente, equivale ao total de visitantes nos nove dias da exposição em Detroit, quase na mesma época, e é pouco menos do que se espera durante todos os dias de salão em São Paulo em outubro.

Os fabricantes de veículos vivem hoje um quadro de contrastes. Europa e Japão avançam nas discussões em torno de soluções para a mobilidade urbana, como a diminuição do tamanho do carro e seu formato, o uso de veículos elétricos e propostas inovadoras, como o compartilhamento de um único automóvel por diversas pessoas. Não se percebe, porém, o mesmo entusiasmo nos EUA.

Ao mesmo tempo em que tem de se adequar para atender o consumidor que nunca usou um automóvel, como ocorre com boa parte dos indianos, a indústria precisa continuar a agradar os americanos, que mantêm sua paixão pelos carrões, e, ainda, engajar-se nas discussões em torno das novas formas de mobilidade em regiões como a Europa. Enquadrar seu produto nesse arsenal de variações passou a ser o maior desafio de um setor que se projetou por meio da produção em escala.

Enquanto motoristas enfrentam o caos em grandes centros urbanos, o motorista de Detroit, cidade esvaziada pela crise nas montadoras, não sabe o que é trânsito. Mesmo em horários de pico, automóveis e pouquíssimos ônibus circulam com folga nas cinco pistas das principais avenidas. Alinham-se vagarosamente cada vez que o semáforo fecha e não chegam a ocupar sequer a metade do quarteirão antes de a luz verde voltar a acender.

Justamente nessa região, onde a linha de montagem nasceu, e que hoje tem cara de feriado todos os dias da semana, que a indústria automobilística americana continua mostrando suas tendências. São propostas que destoam da ideia de veículos minúsculos agregados ao conjunto carro-casa-bicicleta-trem-metro, amplamente discutido hoje na Europa e Japão.

Os americanos estão, sim, discutindo novas energias, falando sobre carro elétrico e investindo - e muito - no desenvolvimento de motores econômicos e menos poluentes. Mas esse movimento surge muito mais em resposta a uma pressão ambiental, que passou a fazer parte das políticas governamentais, do que como tendência. Em geral, o americano não parece propenso a abrir mão do transporte individual.

O motivo desse desinteresse começa pelo custo do combustível. O preço médio do galão de gasolina nos Estados Unidos hoje (US$ 3,38) está 22% mais baixo do que em julho de 2008, quando se dizia que o valor do combustível estimularia o americano a se interessar por carros compactos.

"Os consumidores não se importam", diz o diretor do Morgan Stanley, Adam Jonas, pesquisador da setor automobilístico. Os dados que Jonas aponta indicam pouca diferença no gasto com combustível ao longo dos anos. Em 2011, essa despesa equivaleu a 3,4% do Produto Interno Bruto dos EUA. Em 1970 chegou a 2,9%.

Para alguns, os carros criados hoje pelos americanos derrubam teses de que economia e desempenho não podem andar juntos. Reduzir o consumo de um tipo de veículo já usado acaba, muitas vezes, sendo a opção da indústria. Foi o que ocorreu com a Chrysler. O governo americano só aceitou conceder à Fiat cinco pontos percentuais adicionais de participação na empresa americana se o grupo italiano se comprometesse a lançar um novo modelo Dodge, mais econômico. E assim surgiu o novo Dodge Dart. "No passado tínhamos que pensar muito mais em potência do que em consumo; hoje temos que conseguir ambos", diz Reid Bigland, o principal executivo da marca Dodge.

Para J Mays, da Ford, "a cultura do automóvel é ainda muito relevante na América do Norte". O chefe da área de desenho da montadora americana acredita que o apelo da aparência mantem sua força. "Toda a vez que a indústria passou por crises financeiras o desenho sempre salvou o dia", diz. O executivo destaca, ainda, uma filosofia: "Você nunca se apaixona pela praticidade. Você se apaixona pelo que se mostra. E só depois que já está apaixonado é que alguém descobrirá a praticidade daquilo que o atraiu."

É provável que pensamentos como o do designer da Ford façam com que propostas mais práticas, defendidas por alguns, pareçam tão distantes da realidade americana. O presidente mundial da Renault e Nissan, Carlos Ghosn, parece uma espécie de "voz solitária" quando prega nos Estados Unidos conceitos que já fazem sucesso na Europa.

Para ele, a indústria precisa perseguir a ideia de carros que não poluam nada, como o elétrico, porque a demanda continuará a crescer, puxada pelo crescimento do poder de compra nas regiões emergentes. "O carro é a primeira coisa que o consumidor de um país em desenvolvimento quer comprar", afirmou Ghosn em recente palestra.

Segundo projeções dos analistas, o mercado de veículos na China, que chegou a experimentar crescimento anual de 33% em 2010, continuará se expandindo, entre 8% e 10% este ano, a despeito das previsões de arrefecimento da economia do país. "Se não formos na direção do carro com emissão zero, vamos precisar de dois planetas para manter o atual estilo de vida e de locomoção", disse Ghosn.

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